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Inauguração / Opening
25 - 02 - 2006
Extéril
19.00 h Sábado / 7 pm Saturday
GRUPO LAMPARINA
(Susana Camanho, Emídio Agra, Abílio Silva)
"Parade"
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mais abaixo “O desejo”
(contado por Walter Benjamin)
PARADE
Grupo Lamparina
Criada nos anos 70, com a Revolução de Abril, a Extéril foi originalmente uma minúscula galeria, um pequeno cubo colorido com 20 centímetros de aresta. As primeiras exposições que nela se realizaram contrariavam o tamanho generoso do mundo, as suas ambições desmedidas. Num jornal da época, um conhecido crítico, hoje caído no esquecimento, não sem um certo exagero, fez o seguinte comentário:
“Há apenas cinco anos, o homem conseguiu, num enorme avanço científico, pisar a lua pela primeira vez. Agora, acaba de ser criada na cidade do Porto uma pequena galeria que promete revolucionar o mundo da arte. Um pequeno passo para os artistas que a inventaram, um grande passo para a humanidade. Esta galeria portátil pretende albergar o que de mais interessante se tem vindo a produzir no panorama artístico nacional e internacional. Num espaço tão pequeno, os artistas perderão, certamente, a mania das grandezas. Talvez desde a sua insignificância, sem se levarem demasiado a sério, produzam grandes obras. Esta primeira exposição é extraordinária. Não haja dúvida, o grupo Lamparina tem um talento invulgar. Pelo seu rigor, pelo conteúdo social, pelo componente utópico, pela frescura e grande beleza, esta é uma exposição a não perder”.
Mesmo sem concordar com tudo o que o crítico escreveu, este pequeno excerto serve para ilustrar a ruptura que esta galeria provocou numa sociedade que, timidamente, se começava a abrir ao novo. Originalmente chamada Parade, a galeria passou a chamar-se Extéril. Recebeu um novo nome quando a frustração se foi apoderando dos ideais de toda uma geração. Extéril é esse mundo da técnica com potenciais de progresso, mas usada de forma destrutiva. Extéril é esse mundo do espírito aniquilado pela avidez do êxito. Extéril é esse mundo da informação, da cultura de massas, que destrói o indivíduo. Extéril parece o país em que vivemos. Levar à consciência a esterilidade de uma sociedade articulada nestes moldes é, pois, o primeiro passo para a transformar. O nome não podia ser outro. Se tudo o que é fértil na sociedade actual, seja a ciência, o direito ou a arte, parece condenado à esterilidade, à aridez, veremos se o que se reconhece imediatamente como estéril é capaz de se tornar produtivo. A galeria Parade nasceu do desejo de mudança e no espírito da utopia revolucionária. Foi criada por um grupo de artistas conhecido pela sua capacidade de fantasia, prestidigitação e sentido do burlesco, o grupo Lamparina. Em Dezembro de 1999 e graças ao trabalho exemplar do galerista José Barbosa, transformou-se na Extéril de hoje, assumindo-se como parte do delicado estado do mundo, reconhecendo as suas contradições, as suas feridas, sabendo que a arte por si só é incapaz de as suprimir. É ao José Barbosa que o grupo Lamparina deve o convite para, passados todos estes anos, expor na pequena grande Extéril.
Estarão, certamente, ansiosos por conhecer o destino do maravilhoso cubo colorido. O assunto deu azo a grandes polémicas. Deixemos de lado tudo o que a crítica historicista tem escrito sobre o tema. Vou contar-vos o que sei. Lembro-me como se fosse hoje. Corria uma brisa e as chaminés fumegavam. Não me segurava em pé com a gripe. Os filhos da mãe dos elementos do grupo Lamparina estavam cada vez mais aburguesados. Carro novo, empréstimo para a casa, um T3 novinho em folha. Não é que resolveram destruir a magnífica Parade para a transformar numa pintura monocromática. Atribuir a deplorável transformação da Parade às leis que regem o contexto histórico, ao conjunto de sistemas que governam o quotidiano com independência de cada sujeito ou, até mesmo, ao darwinismo social é apenas uma parte da história. Na realidade, a conversão da Parade numa pintura monocromática deve-se, acima de tudo, à necessidade de decorar uma parede por cima de um sofá de genuíno design italiano. Foi uma decisão tomada de ânimo leve. O mundo da arte reagiu. Um artista emergente riscou-lhes o carro. A indignação chegou aos principais diários e revistas da especialidade. Os títulos não deixam margem para dúvidas: “O fim de um grande projecto”; “Escândalo no artworld nacional”; “De galeria rompe-cânones a mero objecto decorativo”.
Apesar dos protestos, o grupo lamparina continuou a assumir a metamorfose da Parade como um autêntico gesto de vanguarda. “Trata-se de uns excelentes quadros monocromáticos”, insistiam os paspalhões, “são uma homenagem ao suprematismo, ao expressionismo abstracto, ao minimalismo e por aí fora. Apresentam a pintura na sua autonomia plena, livre de tudo que lhe é heterogéneo. São uma auto-reflexão do meio”. Ao que um crítico está sujeito. Os lamparinas só pararam quando alguém mais contundente chegou a vias de facto. Bendita seja a lei do murro, deu imediatamente os seus frutos. A partir de esse momento, mudaram de rumo. Foi com grande pesar que, depois dos quadros monocromáticos, o grupo lamparina se viu obrigado a abandonar o carácter ornamental das suas obras.
Desde então, não há sofá de genuíno design italiano que aguente com uma obra do grupo lamparina. De artistas promissores passaram a uma espécie de feirantes, saltimbancos ou vagabundos excêntricos. Vagueiam de terra em terra com o seu teatro ambulante. E assim se
vai fazendo a breve, mas intensa, história do grupo lamparina, despreocupado com classificações, nominalismos ou enquadramentos históricos.
J. C. Cordeiro
Fevereiro, 2006
“O desejo”
(contado por Walter Benjamin)
Numa aldeia yasiidixe, certa tarde, ao fim do sabbat, os judeus reuniam-se numa pobre assembleia. Eram todos moradores da aldeia excepto uma pessoa que ninguém conhecia, um indivíduo miserável e andrajoso, aninhado ao fundo, na penumbra, junto à lareira. As conversas esmoreciam. A certa altura, falou-se do que cada um pediria se lhe fosse concedido um único desejo. Este queria dinheiro, aquele um genro, o terceiro uma bancada de carpinteiro nova e assim por diante.
Todos tinham falado e o mendigo continuava no canto da lareira. De má vontade, lentamente, deu também a sua resposta:
- Gostava de ser um rei poderoso, senhor de vastas terras, e que uma noite, enquanto estivesse a dormir no meu palácio, os inimigos cruzassem a fronteira e antes do alvorecer abrissem caminho até ao meu castelo sem encontrar resistência, que me arrancassem ao sono sem dar-me tempo para me vestir e eu tivesse que desatar a fugir em camisa; que me perseguissem por montes e vales, por bosques e colinas, sem descanso, dia e noite, até que eu me visse aqui sentado neste banco, junto de vós. Seria o meu desejo.
Os outros olharam uns para os outros, sem entender.
- E que ganhavas tu com isso? - perguntou um deles.
- Uma camisa - foi a resposta.
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