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25 anos EXTÉRIL
1999-2024

Vera Carmo


"O Convívio como Estratégia Cultural Emancipatória: 25 Anos da Extéril"

A “cena cultural” no Porto é há muito reconhecida como “alternativa”, fruto, em parte, da desatenção dos centros de decisão da capital. Ignorado nas suas especificidades, o Norte aprendeu a narrar-se a si próprio, recusando depender da validação dos círculos cosmopolitas. Dessa teimosia singular surgiram, no final da década de 1990, os primeiros projetos expositivos geridos por artistas, que ocuparam espaços tão inesperados como salas, casas de banho ou elevadores. A Extéril inscreve-se nessa primeira geração de espaços independentes, ao lado de iniciativas como Sala Bombarda, Sentidos Grátis, Lois 15, Ascensor ou W.C. Container, que lançaram as bases de uma prática destinada a consolidar-se como parte da identidade artística da cidade.

Até à saída de Rui Rio da presidência da Câmara Municipal do Porto, em 2013, esses espaços funcionaram quase exclusivamente para um público restrito, composto pelos artistas, os seus pares e amigos. Apesar de inegavelmente contingente, este circuito parecia encontrar conforto na sua transitoriedade, ajustando-se ao compasso das necessidades práticas e aos ritmos de vida, sem grandes interferências externas. Com a chegada de Rui Moreira à Câmara Municipal, e especialmente a partir do seu segundo mandato, o potencial dessa “rede marginal” começou a ser notado e incorporado em iniciativas institucionais. Programas como o Anuário ou o Ping, trouxeram maior visibilidade aos espaços. E, por fim, o Criatório, ao estabelecer financiamento anual para projetos locais, transformou um ecossistema até então autónomo em parte da estratégia cultural do município.

As vantagens do financiamento são inegáveis. Nos últimos dez anos, a cidade do Porto testemunhou uma atividade cultural sem precedentes. Estruturas que surgiram por iniciativa voluntária alcançaram níveis de profissionalização, criaram postos de trabalho e, acima de tudo, proporcionaram maior visibilidade aos artistas contemporâneos. Contudo, a absorção de práticas inicialmente independentes por programas institucionais levanta questões sobre o equilíbrio entre autonomia artística e dependência económica. O compromisso de criar ou programar de forma continuada, associado à cumplicidade com objetivos estratégicos que respondem a programas políticos, revela-se muitas vezes distante da essência de um processo criativo. O modelo de financiamento cultural exige um ritmo de apresentação pública dificilmente compatível com a originalidade, além de ditar tendências temáticas ou disciplinares que podem comprometer o desenvolvimento natural das trajetórias artísticas e das narrativas da história da arte. Por outro lado, exige currículos sólidos, bloqueando muitas vezes a entrada de artistas em início de carreira.

Ainda assim, talvez, como Churchill disse da democracia, esta seja uma solução imperfeita, mas melhor do que qualquer outra. Afinal, o número crescente de pessoas e instituições que abraçam este sistema sugere que, apesar das contradições, nele reside uma promessa de continuidade e visibilidade. É ainda cedo, contudo, para tirar conclusões: a primeira edição do Criatório data apenas de 2017, e o apoio aos espaços propriamente ditos começou apenas em 2020. Sete anos é pouco; quatro, ainda menos.

Mas vinte e cinco anos? Vinte e cinco já é outra coisa. É uma vida adulta. E é precisamente para assinalar os 25 anos da Extéril que este texto se escreve, chamando a atenção para a resiliência de um projeto que se destaca como o espaço independente em funcionamento mais antigo da cidade do Porto e que, no panorama nacional, é apenas precedido pela Zé dos Bois, em Lisboa.

José Manuel Teixeira Barbosa iniciou a Extéril em 1999, numa altura em que praticamente não existiam alternativas às já poucas galerias comerciais, que, naturalmente, evitavam correr riscos em nome da viabilidade do negócio. Empregando uma boa dose de ironia, construiu um cubo de dois metros por dois metros, pintado de branco no interior. Desde então, convida, com uma regularidade quase ritual, amigos e conhecidos a exporem obras dentro dessa estrutura, replicando com humor as convenções do circuito artístico: divulgação nas redes sociais, inaugurações com bebidas e acepipes, e toda a encenação que acompanha a arte contemporânea.

A Extéril atravessou quatro mudanças de políticas culturais na cidade, mantendo-se ativa sob a liderança de executivos socialistas, sociais-democratas e independentes. Orgulhosamente alheada de todas as oportunidades de financiamento cultural, deve essa postura tanto a um manifesto de independência declarado, como à preguiça que Teixeira Barbosa cultiva face a qualquer forma de burocracia.

Não faltam argumentos para desvalorizar este quarto de século. Podem dizer que não passa de uma carolice, que não é profissionalizante ou que não se posiciona como interlocutor do circuito institucional ou comercial que tantos artistas ambicionam. Mas reduzir esta trajetória seria ignorar o verdadeiro motor do projeto: a criação de uma rede de relações e afetos como alicerce de uma prática cultural independente.

Ao longo de 25 anos, a Extéril funcionou como um espaço onde amigos, colegas, alunos e outros convidados de Teixeira Barbosa — pessoas que, por alguma razão, captaram a sua atenção — se reuniram para partilhar e debater. Graças a esta espécie de direção artística guiada por empatias várias, a Extéril foi um dos poucos lugares onde, nos últimos cinco anos, se pôde ver obra recente de artistas consagrados cujos temas não ressoam com as lógicas institucionais, bem como trabalhos de jovens criadores em início de carreira, alguns ainda estudantes.

Este ethos ecoa uma lógica próxima das ideias de decrescimento. Na desaceleração, na valorização das relações humanas e na curiosidade desinteressada, encontra-se uma alternativa ao modelo orientado por resultados e validações externas. Ao celebrar os seus 25 anos, a Extéril reafirma que a prática cultural independente pode resistir à normalização imposta pelo sistema. A questão que se coloca não é apenas sobre a sua resiliência, mas sobre o futuro desta alternativa: poderá coexistir com as exigências contemporâneas ou continuará a ser, como o Porto tantas vezes foi, uma exceção que sobrevive na sua singularidade?

Vera Carmo
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Metro
Subway
- Faria Guimarães
- Marquês de Pombal
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Rua do Bonjardim, 1176, Porto - Portugal
Aberto na Inauguração
Open at opening
Visitas por marcação após inauguração
Visits by appoinment after opening
exteril@gmail.com
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