Os projetos que a dupla Carla Cruz* – Ângelo Ferreira de Sousa** têm apresentado resultam de um diálogo convergente em relação aos seus próprios trabalhos pessoais. Os vetores que, entrelaçados, tecem os projetos do coletivo procuram reforçar a eficácia de uma estratégia política de intervenção no espaço "público" e/ou em espaços de exposição. Esta colaboração, iniciada em 2000 no contexto de uma aventura coletiva mais ampla chamada Caldeira 213 e recentemente retomada com maior intensidade, é por vezes anónima, noutras vale-se da camuflagem que o discurso artístico oferece, mas tende sempre para uma espécie de desaparecimento sem resíduos. Esta precariedade do efémero é uma forma de luta. Como no caso das ações nos decrépitos edifícios do ex-cinema Águia d'Ouro e do ex-shopping dos Clérigos situados no centro da cidade do Porto. Em ambos se explora uma ambiguidade sobre a origem do gesto artístico: como "lê", um eventual transeunte, o graffiti deixado no antigo cinema? Como um gesto de protesto ou um delírio ao mesmo tempo atlético e poético?
Na sequência da visita ‘turística’ organizada ao antigo Clérigos Shopping, vários meios de comunicação social referiram-se à ação sem nunca citarem (nem desconfiarem) que estavam perante um acontecimento inserido nas atividades de um espaço de arte contemporânea (Apêndice). O abandono em que se encontra a cidade é um terreno fértil onde pretendem continuar a intervir.
* Vila Real, 1977
** Porto, 1975
Texto: A Associação de Amigos da Praça do Anjo (AAPA) luta pela Memória Histórica da Praça do Anjo, Porto – Portugal.
Desde a sua criação, a AAPA tem-se mostrado incansável na luta pela recuperação da Praça d@ Anj@, local ímpar na História da cidade do Porto.
Longe de estar inativa, a AAPA prepara várias atividades para o biénio de 2011/2012. Assim sendo, aceitámos de bom grado o amável convite que nos foi dirigido pela Extéril para apresentarmos mais um episódio deste caminho.
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Caras amigas, caros amigos,
não posso deixar de agradecer, em nome dos corpos gerentes da Associação de Amigos da Praça do Anjo (AAPA) - dos quais sou sub-president@ - a vossa numerosa presença em mais um jantar da nossa Associação. Para nós é fundamental manter a tradição de nos reunirmos anualmente para celebrar a ANJA,
e não deixar esquecer aquela fatídica noite em que partiu.
[Pequena pausa]
Fomos nós, e só nós, quem primeiro denunciou este escândalo (e as verdades devem ser ditas e, quando a urgência se impõe, afirmadas alto e a bom som!)
Quem senão nós denunciou o golpe que significou o roubo da escultura da ANJA?
Quem organizou as já lendárias visitas guiadas a este lugar único do nosso desgraçado País?
Quem colocou nestas paredes uma placa, talhada em duro granito, para que o olvido não ousasse apagar tal presença, tal obra, a ANJA?
Quem?
[Pausa]
Queremos (repito) agradecer a vossa presença, sem a qual nada seria possível.
Da mesma maneira, não podemos deixar de agradecer ao Museu Nacional dos Coches o Alto Patrocínio que deu a esta iniciativa - nomeadamente cedendo-nos, por uma noite, estas belas instalações onde nos encontramos - tão próximas do lugar onde estava instalada, para gozo e deleite dos portuenses, a saudosa ANJA. Quisemos, neste momento tão importante para a AAPA, nesta noite anti-medíocre, estar próximos e em comunhão com o verdadeiro ganhador da História de Portugal: o automóvel!
[Pequena pausa]
E deixai que vos conte um pouco desta história:
Portugal poderá não ter museus como o Louvre, o Prado, ou como as National Gallery's mas tem o maior, o mais importante e o mais belo museu dos coches do mundo. Uma jóia incomparável!
A tradição começada pelos reis de Portugal, que compravam no estrangeiro as mais belas viaturas, manteve- se sem interrupções até hoje. Vejai, se exemplos vos faltarem, os vastíssimos quilómetros de auto-estradas que foram construídos recentemente. Para máxima glória do País e para gáudio (e proveito) de quem nos emprestou o dinheiro (e vendeu os coches, os carros, os cavalos e o alcatrão...)
[Pequena pausa]
Vejam-se as incontáveis catedrais como esta em que nos encontramos.
Que nesta cidade do Porto ocupam todos os espaços subterrâneos possíveis, por debaixo de cada praça, de cada jardim: um Parque... de Estacionamento.
[Pausa]
Perguntar-me-ão vós, também, (sinto-o), a razão das mascarilhas.
Deveis lembrar-vos que esta é uma noite anti-medíocre. E que queremos estar à altura de tal desafio.
Permiti, que a propósito, vos conte mais uma pequena estória (... que talvez alguns já conheçam):
na sequência do roubo da ANJA, a AAPA, na sua ânsia de tudo saber, (pois só a sabedoria nos devia guiar... sempre!) foi entrevistar o AUTOR, o escultor da ANJA: o Mestre José Rodrigues.
Nessa entrevista, o Mestre lamentou o triste fim de sua obra: roubada, numa noite qualquer, por dois drogados que de seguida a retalharam e venderam ao desbarato a um sucateiro.
Lamentou a mediocridade que atrai, inevitavelmente, mais mediocridade.
Lamentou que os bandidos não fossem robustos rapazes que, escondidos sob belas mascarilhas, como nas fitas de Hollywood, sequestrassem a ANJA para outras paragens mais ridentes e mais soalheiras.
[Pequena pausa]
"Lui, toujours lui!" (= Ele, sempre ele!) disse o imortal Victor Hugo a propósito de Napoleão Bonaparte. "Ela, sempre ela! - A Mediocridade" - repetimos nós hoje, em Portugal!
Na AAPA ouvimos as palavras de José Rodrigues. (Ouvimos Senhor)
Na AAPA queremos estar na linha da frente da guerra contra a mediocridade.
Por isso, (e naturalmente) adotamos a mascarilha como o mais eloquente dos símbolos dessa luta.
[Pequena pausa]
(Minhas queridas amigas, meus queridos amigos, espero que se sintam bem de mascarilha, como heróicos salteadores, como libertadores) :
Bem-vindos à guerra!
Bem-vindos à anti-mediocridade!
[Pausa]
(Como sinto, em vossos rostos, uma fome que aumenta, vou finalizar)
Mas deixai que vos fale ainda (rapidamente) das razões que nos conduziram à escolha desta ementa:
Alguns poderão ver, nessas gamelas que segurais, uma referência maliciosa à SOPA DOS POBRES.
Nada mais falso!
Na verdade, quisemos, com esta escolha, fazer uma verdadeira APOLOGIA da sopa dos pobres, (sopinha e broa, que instituições!),
verdadeira tradição centenária na culinária portuguesa...
Às custas da qual foram possíveis outras incontáveis glórias, outras incontáveis vias rápidas.
[Pausa]
Infelizmente, não podemos acabar sem denunciar outro ultraje.
Efetivamente, foi com profundo choque que tomámos conhecimento que a placa (em memória da ANJA) que colocámos (nas paredes exteriores deste local), foi vilmente arrancada (e quem sabe se destruída!).
Lembramo-nos (como se fora ontem) do dia em que a inaugurámos, ao som de uma composição musical original de Von Calhau
(é isto, ser anti-medíocre!)
Aliás, desde o primeiro momento a AAPA opôs-se a estas obras, a esta dita transformação.
Transformar para quê?
Este lugar é épico!
Este lugar é único!
Qualquer alteração ofende o espírito do espaço. Desvirtua a tradição, nele tão bem incarnada.
A nossa Associação apresentou às autoridades municipais o único projeto, a nosso ver, possível: a reconstrução total e fidedigna do espaço como o conhecíamos nos anos 90 do século XX, obra do arquiteto António Moura. Este gesto seguiria não só uma tradição europeia, de reconstruções totais de monumentos históricos, mas também estaria perfeitamente sintonizada com o nosso fado nacional:
a repetição do erro e a negação do novo.
Este monumento seria a imagem poderosa da nossa contemporaneidade. Seria o monumento de que Portugal precisa!
Convido-vos amanhã a assinarem o abaixo-assinado, que a este respeito, promovemos. Para que o crime que está a ser cometido (aqui por cima) seja interrompido e abandonado e para que o nosso projeto seja tido em conta!
Neste sentido, quero-vos então convidar a passar, amanhã a partir das 22 horas nas instalações da Extéril (rua do Bonjardim, 1176) para que possam ver e assinar mais uma ação - indignada! - da AAPA.
Obrigado por terem vindo! Bem hajam!
Abaixo a mediocridade! Viva a ANJA!
Bom Apetite!