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21 - 03 - 2015
Extéril
22h Sábado / 10pm Saturday
JORGE ABADE
"Lusco-Fusco."
Entre o torpor melancólico do spleen crepuscular e o êxtase máximo gerado pela expectativa do antes da festa, situa-se o espaço efémero do lusco-fusco, não apenas no seu valor enquanto fenómeno paisagístico carregado de espetacularidade.
2013 - 2015
Óleo sobre tela
144 X 204 cm
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"Lusco-Fusco."
Entre o torpor melancólico do spleen crepuscular e o êxtase máximo gerado pela expectativa do antes da festa, situa-se o espaço efémero do lusco-fusco, não apenas no seu valor enquanto fenómeno paisagístico carregado de espetacularidade.
Assumindo a revisitação de um tema arraigado numa tradição oitocentista, de raiz baudelairiana, fixa-se um momento transitório de conglobação: onde acontece o lugar e pretexto para se dar uma especial concentração e cruzamento, concatenando uma série de problemáticas intrínsecas ao ato de ver e sentir pela visualidade – assuntos tradicionalmente íntimos às mais intrínsecas problemáticas da pintura em si.
Nos dois breves momentos fronteiriços (anoitecer e alvorada), que medeiam as ambiguidades entre noite e dia, concentra-se a nostalgia do momento que acabou de passar e a expectativa do que lhe advém – um misto de memento mori e prenúncio ou sugestão. Nessa meia claridade (tradicionalmente apontada como uma das prováveis origens etimológicas de lusco-fusco, tal como luz que foge), aparecem os extremos do quase branco da luz e do quase negro da escuridão, com um amplo espectro cromático e tonal que se aperta num singular espaço, favorecendo a sua dilatada fixação numa apertada área de representação. Essa mesma área, escamoteando o seu carácter de representação, assume-se simultaneamente como campo de extrema experimentação espectral e contraste.
Na própria imagem composta, firmada com uma presença singular, a sobreposição e entrelaçamento de planos representacionais, pela justaposição e mescla dos fragmentos colhidos nas imagens fotográficas de referência, provoca uma concentração em que se conectam várias disposições espaciais e vários momentos. Numa sua menos indagadora percepção, fica consolidada a ilusão de representação num único espaço e instante, concentrando aí uma extensão de espaço tempo mais alargados do que a situação que apresentam.
Tenta-se então nesta pintura, que forma uma imagem representacional e fixação de um aparente instante de extrema volatilidade, o uso ponderado do que é também um exercício condensado de pintura. O ocaso crepuscular, no seu espectro multicolorido, que vai da claridade máxima até à exploração de múltiplos tons pardacentos, mistura-se aqui também com o contraste cromático pelo efeito lumínico artificial – uma espécie de mútuo contraponto que abre espaço para uma ampla exploração cromática e dos vários recursos pictóricos.
A estaticidade do momento representado, dá lugar à expectativa no mistério dos acontecimentos precedentes e subsequentes. Cria igualmente espaço para um protagonismo da situação no próprio espaço da pintura, que é o acontecimento da própria pintura; ocorre, nesse lugar, potenciado pela convergência dos assuntos da representação que lhe afirmam uma certa redundância – nos movimentos endógenos à atividade pictórica que se podem intuir no seu próprio estado imóvel.
A recuperação e reequacionamento desta temática pré-modernista, pretende ser um pretexto para afirmar a atual validade e pertinência da pintura, justamente na reativação do questionamento da representação, cruzada com os valores inerentes e exclusivos à pintura. A reserva na pertinência da representação, que assentava também numa aparente falência face ao préstimo da fotografia neste ponto, desemboca no premonitório aparente aviltamento da pintura relativamente ao valor do seu teor narrativo, que o cinema viria a cumprir de forma mais extensiva. Fatores redutores do valor da pintura, que atualmente se adensaram ainda mais, tanto pela consolidação destes meios (fotografia e pintura), como pelo aparecimento de meios com outra sofisticação que exploram uma interatividade direta e efetiva.
Aparece nesta pintura essa dilatada e cruzada meditação: numa colocação intermediadora de momentos temporais de interação conceptual, e num apelo subliminar à exploração da circunstância prosaica lúdica. Nesse estado oculto e de suspensão entre os devires e acontecimentos retroativos, tanto na reflexão do tema recuperado como na situação específica que a presente pintura apresenta.
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Exposições individuais: “Estado de Quietude” Quase Galeria – Espaço T, Porto, 2012; “Convergência” Galeria SOPRO, Lisboa 2009; “O Idiota” Galeria MCO, Porto, 2006; “Army of me” Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, 2006; “Do You Believe In Heroes?” Galeria Canvas, Porto, 2004. Exposições colectivas: “Estratégias para Dem[u]rar o Tempo” Casa Museu Marta Ortigão Sampaio, Porto, 2013/2014; “Cinco séculos de Desenho na Coleção das Belas Artes” Museu Soares dos reis, porto, 2012; 2010; “Viarco Express” Museu da Presidência da República, Lisboa, 2009; “Borcense” X Certâmen de Artes Plásticas, Cáceres, 2008; “Distorciones y Identidad” Galeria Àngeles Banos, Badajoz, 2007; “Paisagens” Palácio das Galveias, Lisboa, 2005. Colecções: Coleção Fundação PLMJ, Lisboa; Colecção CAPC, Coimbra; Colecção Consejeria de Cantábria; MEFIC, Múrcia.
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