14.05. 2022

16.30h / 4 pm
Sábado / Saturday

até 17.06.2022 until

TEIXEIRA BARBOSA

"Mancha de texto"
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“Mancha de texto”
 
Precisava urgentemente de riscar qualquer coisa. Por um mero acaso, encontrei cento e cinquenta títulos de músicas dedicadas ou contra a guerra desde o início do século XX.
Comecei a riscar as letras num enquadramento próximo do formato A5 (14,8x21cm, encontrado no lixo) deixando que cada título se orientasse pela folha de papel conforme a intuição assim o sugeria; depois, variando o formato do suporte, a escala dos caracteres e o meio riscador, foram-se acumulando distintas soluções gráficas para cada composição.
As composições compõem-se de distintas camadas. Por vezes uma, outras vezes duas ou mais camadas dependentes do meio riscador, da escala das letras ou do formato do papel. Cada camada corresponde a um ciclo completo de cento e cinquenta títulos de músicas.
Em “Mancha de texto” acumulam-se linhas sem o sentido do sentido que a própria escrita propõe. Não se trata de propor uma narrativa, nem um sentido. O que sucede não é o caos, mas o acontecimento do Ser através das sensações que a gramática visual sugere. Dá-se, então, o surgimento do acaso que propõe a passagem a uma construção e condição peculiar. É o momento onde se extrai o intercâmbio entre o passado e o presente, estabelecendo correspondências veladas numa rede de memórias como acto ético e estético.
Aqui, a percepção opera livre do encadeamento narrativo para acolher o prazer do desconhecido numa trajectória sensorial. Isto é, um acontecimento sensorial que escapa à direcção das letras e das frases, traduzindo-se numa aparente abstracção onde as manchas conduzem para uma releitura do tempo como enunciado visual.
Trata-se, portanto, de imagens que sugerem uma relação de proximidade, de distância que, por consequência, se confronta com qualquer coisa que se encontra "entre" alguma outra coisa produzindo intervalos de tempo. A presença da luz e a sua ausência estabelecem, igualmente, intervalos onde o silêncio das imagens produz um ruído próprio; desvelando mais um aspecto dos momentos singulares da representação gráfica ao gerar situações paradoxais, em que a realidade e a representação se fazem sentir no mesmo plano. Porque as ressonâncias dos elementos plásticos têm a capacidade de nos relacionar com as coisas e o mundo.
Maio 2022