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MOLA
JAN - MAR 2018
EXTÉRIL
Entrevista
(edição revista e atualizada)
com
Teixeira Barbosa
por
João Ricardo Moreira
nº 1 |
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Capa da revista impressa |
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COORDENAÇÃO E TEXTOS / VERA CARMO, JOÃO RICARDO MOREIRA
FOTOGRAFIA / SUSANA NEVES
DESIGN GRÁFICO / JOÃO MATOS (versão impressa)
MOLA - versão impressa aqui
edição virtual difere da versão impressa
- revista e corrigida
A mola é um projecto 114 A - Associação Cultural com o apoio da Direção Geral da Cultura Norte. |
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Editorial nº 1
VERA CARMO
Foi necessário algum tempo para editar a Mola. A ideia surgiu nos corredores de uma faculdade, ainda na época em que, no Porto, falar de cultura significava "puxar da calculadora". Nesses anos, o muito - porque, considerando as condições hostis, era realmente muito - que se apresentava na cidade em termos de oferta cultural devia-se exclusivamente à determinação dos artistas, que organizando-se em colectivos informais, alugavam apartamentos, garagens, lojas, armazéns, salas, onde mostravam as suas obras.
O Artist Run Space não é - e não era - uma ideia nova. Gritante era a ausência de tudo o resto, de espaços institucionais com uma programação consistente e de políticas culturais (fossem boas ou más). A cultura na cidade sobreviveu nestes espaços improváveis, custeados pelos seus mentores e alimentados pelos seus pares. Particular era o facto de todos serem ali acolhidos: jovens artistas e autores consagrados, nacionais e internacionais. Afinal, não havia mais nada.
Foi, mais ou menos, assim que os espaços alternativos no Porto acabaram por se afirmar como uma parte incontornável do tecido cultural. E se, durante anos, colmataram uma falha no serviço público, atualmente, são livres de ocupar o lugar que lhes é mais querido: o lugar dos começos, das experiências e dos erros, dos "emergentes" e das vanguardas.
Estas estruturas, pela sua natureza, sempre careceram de um canal que as divulgasse e assegurasse a receção crítica da sua atividade. A mola nasce da identificação dessa falha e do desejo de a suprimir. É um híbrido inominável entre um mapa, uma agenda e uma fanzine. Assinalamos os espaços independentes ativos na cidade, disponibilizamos a sua programação, mas também demoramos o olhar atentamente sobre cada um deles para constituir um arquivo de histórias da arte e da resiliência.
A Mola apresenta-se, então, como projeto editorial cartográfico, mas simultaneamente histórico, corporizando em cada edição um fascículo colecionável dedicado exclusivamente a um dos espaços da cidade, organizados - à falta de melhor critério por défice de imaginação dos editores - por ordem cronológica de abertura ao público.
No primeiro número retrocedemos a 1999, ano de inauguração da Extéril e entrevistamos o seu fundador e programador, Teixeira Barbosa. Inicialmente pensada para existir apenas na "rede à escala mundial", a Extéril acabou por se corporizar numa estrutura portátil para apresentação de arte, um paralelepípedo rectângulo de 2x2x2 m - projeto artístico de direito próprio - com morada postal na Rua do Bonjardim. Da conversa informal emerge um comentário crítico à portabilidade e recursos de meios, que são, de resto, o segredo da longevidade do projeto.
Partindo do diálogo, em "Todo o projecto da Extéril é uma ironia com o próprio sistema das artes", João Ricardo Moreira aprofunda a biografia da Extéril e reflete acerca da sua singularidade, sublinhando a natureza híbrida entre 'obra de' e 'espaço para' Arte.
Finalmente, no interior da mola, regressados ao futuro, disponibilizamos a programação de vários espaços alternativos para o primeiro trimestre de 2018. |
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Entrevista a Teixeira Barbosa, fundador e programador da Extéril
por João Ricardo Moreira |
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A Extéril surgiu numa altura em que o circuito artístico era composto quase exclusivamente por espaços institucionais e comerciais. Quais as motivações para a criação de um espaço independente?
Inicialmente, o projeto era para ser apenas uma galeria online. Estávamos nos primórdios da internet e por isso a ideia que surgiu foi criar uma galeria online. Estava a frequentar a parte curricular do doutoramento em Espanha e um colega do curso tinha uma galeria dentro da própria faculdade, que se chamava Altercado, um cantinho que ele tinha reservado dentro do atelier de escultura da faculade, parecia mais um barraquinho dentro do atelier da escola. Entretanto ficamos amigos, éramos um grupo ainda razoável, e assim surgiu a ideia de cada um construir a sua galeria e fazermos uma espécie de feira de pequenas galerias.
Não era nada de novo, o que estávamos a fazer, porque já Marcel Broodthaers tinha feito, Marcel Duchamp com a sua maleta, e outros artistas, por isso não estava a criar nada de novo, estava-se era realmente a procurar criar espaços alternativos ao que era o espaço comercial das galerias.
Na altura eu pensei “então porque não fazer também uma galeria?” A casa onde eu vivia tinha uma fábrica por baixo, e eu era mais ou menos um ocupa daquilo então pensei “olha era um bom sítio para se criar uma galeria”, e foi assim que começou o projeto. Na internet começou no “GoTo” que era gratuito, acho que ainda existe, mas já não sei bem se aquilo ainda funciona. Nos primeiros anos a galeria funcionou na internet nessa página. Mesmo o e-mail - também havia um e-mail que era gra- tuito, exteril@exteril.com - ainda durou durante alguns anos, tinha para aí uns 100 assinantes, só que tinha pouca capacidade. As pessoas acabaram por desistir e eu também acabei porque, entretanto, apareceu o gmail que tinha muito mais capacidade, e não falhava; hoje em dia o e-mail não falha, mas na altura, falhava muito, era um problema. Depois também era um problema lançar imagens na internet, as imagens tinham que ser muito bem controladas, eu tinha que as levar para um programa de edição, reduzir-lhes o tamanho, reduzir-lhes o peso, uma imagem nunca podia ultrapassar os 20K, porque se tivesse mais de 20K ficavas ali à espera que a imagem carregasse, e era uma a uma. Uma página ter 2 imagens já era uma coisa super bem conseguida!
O site ficou online só em 2000. A caixa surgiu. A primeira inauguração foi a 18 de dezembro de 1999. Todo este processo começou antes, mas só se concretizou quando eu já dava aulas na ESAP. À segunda feira, 10 horas de aulas. Ia terça feira de manhã para Pontevedra, vinha à sexta feira. Era um stress e uma correria. Depois ao fim de semana ainda trabalhava no projeto [a galeria] e preparava as aulas. Obviamente que também não tinha muito tempo disponível.
Existiram referências ou inspirações para a elaboração do projeto?
O Marcel Duchamp é sem dúvida a pessoa que mais influenciou, como é óbvio. Será muito a partir das obras do Duchamp, a própria maleta. Ele também dizia que a vida dele cabia toda numa malinha.
Porque é importante para ti o carácter portátil do projeto?
É importante porque primeiro há sempre enormes despesas com tudo, qualquer coisinha que se faça envolve um dinheirão incrível! Por isso mesmo é que o projeto foi sempre, desde o início, “fazer o máximo com o mínimo”, aliás esta é a frase de introdução ao projeto da Extéril. E depois, porque o fato de ser uma coisa pequena convida a outro tipo de experimentações. Um artista que esteja em início de carreira, obviamente que não tem tanta obra criada, mas com facilidade faz uma exposição aqui.
Por outro lado, a galeria facilmente se desmontava e se a quisesse levar para outro sítio levava. Foi o que aconteceu. Chegou a estar no Maus Hábitos. Chegou-se a montar em Barcelona, numa feira de arte alternativa que houve num hotel. Um hotel que ia ser todo renovado e a feira foi toda dentro desse hotel, era nos quartos do hotel e na altura o Maus Hábitos convidou-me para participar com a Extéril. O Maus hábitos era a galeria principal e dentro do próprio quarto montou-se também a Extéril. Todos os dias se fazia uma inauguração. Também chegou a estar na Casa das Arte do Portos, um mês, ainda a convite, do Maus Hábitos. Isto foi para aí em 2003, numa altura em que a Casa das Artes estava completamente inativa, e na altura o Daniel [responsável pelo Maus Hábitos] propôs-se a ocupar aquilo durante um mês e convidou-me para levar a Extéril. De semana a semana também fazíamos uma inauguração e houve outros eventos: concertos, filmes, várias coisas e, realmente, a casa das artes, durante esse mês, teve público.
Quem esteve envolvido na criação da Extéril?
Fui eu que a criei e construí, tanto o espaço físico como o virtual. E, apesar de aparecerem vários nomes na equipa na página da Extéril, na realidade são sempre a mesma pessoa - eu. Inicialmente, quem expunha mais na galeria eram artistas espanhóis. Mesmo porque eu também estava afastado das Belas Artes, já há algum tempo. Entretanto em 2001 já tinha surgido a Caldeira. Mas eu não tinha contacto com eles. Na verdade, estavam a acontecer várias coisas na cidade, mas eu estava isolado, eles estavam isolados. Ainda não havia esta comunicação que existe hoje, não é? Esta facilidade com que rapidamente na internet se descobrem os sítios. Na altura, apesar de haver internet, ainda não tinha, por exemplo, galerias, museus, e não havia nada a funcionar! Era muito difícil convidar alguém porque os artistas portugueses ainda olhavam um bocadinho de lado: “Que é que é isto de espaço alternativo?” Havia dificuldade em encontrar essa recetividade de expor numa caixa mal-amanhada; para os espanhóis estava fenomenal, isto era um projeto arquitetónico, para os portugueses não era bem assim.
Como foi a receção da comunidade artística (artistas, galerias, crítica...) ao projeto?
Não foi muito boa, como disse anteriormente, os artistas portugueses não estavam muito recetivos a este tipo de espaço. Para divulgar o projeto, ainda cheguei a mandar e-mails para os jornais, mas ignoravam completamente. A primeira vez que a Extéril teve uma publicação num jornal foi em 2005 na 1a edição dos “15 minutos de fama” e já neste espaço (Bonjardim). Saiu uma notícia no Público. Anteriormente, só um artigo no JUP, de uma aluna, uma ex-aluna minha da ESAP, que gostava muito do projeto e fez questão de publicar uma notícia no jornal. De resto...
Que lugar pensas que a Extéril ocupou quando surgiu?
O lugar que ocupou é difícil de perceber, porque, na verdade, ficou um bocadinho incógnita. Só alguns artistas a conheciam. Hoje em dia é mais fácil ser conhecida porque, entretanto, começaram a aparecer mais espaços alternativos e o espaço alternativo deixou de ter aquela conotação de espaço que não promove os artistas. Os artistas também deixaram de ter essa preocupação e depois estavam interessados em encontrar espaços para mostrar o seu trabalho. Por outro lado, curadores e galeristas, começaram a frequentar os espaços; foi assim que alguns artistas começaram a ser chamados para expor noutros sítios. Depois foi tipo “pescadinha de rabo na boca”. Mas inicialmente foi muito complicado convidar artistas e eu próprio por vezes inventava exposições quando não tinha um artista para realizar uma exposição. Tinha de haver inaugurações de mês a mês! Se eu não arranjava alguém para fazer uma exposição, inventava eu, inventava um nome e, pronto, fazia uma exposição!
A partir de meados da década de 2000 muitos outros espaços independentes abriram na cidade do Porto. Achas que a Extéril exerceu alguma influência sobre estas estruturas? O que mudou na Extéril face à existência de tantos outros espaços? Pensas que, subitamente, o circuito artístico se alargou absorvendo estas estruturas?
É provável que a Extéril tenha incentivado à abertura de outros espaços e apresentação de outros projetos. No entanto, penso que os diferentes projetos foram surgindo mais pela situação cultural do Porto, a cidade está cheia de artistas com vontade de apresentar trabalho, a cidade fervilha em projetos e ideias (segundo algumas estatísticas, o Porto é uma das cidade da europa com mais artistas das diversas áreas a habitarem na cidade). Na falta de espaços institucionais devido à ignorância do poder político e ao isolamento da comunicação social, que só conhece o bairro de Lisboa, os projetos vão surgindo a uma velocidade espantosa criando uma atividade cultural singular no país. Contudo, não existe divulgação nem apoio que alimente este fenómeno que está a acontecer no Porto já há bastante tempo. Mas qualquer coisinha que se faça em Lisboa, aparece de imediato nos jornais, na televisão, enfim...
O primeiro espaço realmente alternativo que apareceu, se formos a ver, foi o Artes em Partes. Eu realizei uma exposição, em 1998, na sala Bombarda (Artes em Partes) que era da Joana Pimentel, embora este espaço não apareça mencionado em nenhum sítio. Mais recentemente, escrevi um e-mail a lembrar a Joana Pimentel que “devia fazer um pequeno blog onde esse material ficasse registado”, depois é que aparece o Paulo Mendes com o WC Container. Mas o primeiro espaço que se pode considerar espaço alternativo e multicultural foi mesmo o Artes em Partes.
Os espaços servem como ensaio, ao artista é-lhe permitido testar coisas num espaço alternativo, enquanto que, muito provavelmente, na galeria é capaz de se retrair e ter até algum receio de arriscar, embora as coisas estejam a mudar. No meu entender, o que inicialmente se afirmava como espaço alternativo, tanto como conceito como espaço físico em si, espaço de ensaio, de partilha, de experimentação, foi-se alterando; e, sim, talvez estejam a ser absorvidos.
Como vês a relação existente entre as várias estruturas independentes da cidade?
Na grande maioria, cada um ‘vive para o seu lado’. Obviamente que cada um terá a sua vida, cada um terá o seu trabalho e não é assim tão fácil. Eu vejo por mim mesmo, quando inauguramos em conjunto eu não consigo sair daqui. Não é por mal, mas é pela própria vida de cada um.
Como tens vindo a assegurar a sobrevivência do projeto?
É fácil porque eu não gasto dinheiro. Os nomes todos que aparecem na Extéril - há pessoas que pensam que é uma equipa a trabalhar - são sempre eu. Aqueles 12 nomes que aparecem lá, sou sempre eu. Há quem acredite que é uma equipa. Todo o projeto da Extéril é uma ironia com o sistema das artes. A própria Fundação, a Fundação Extéril - que não existe e há quem pense que existe porque até já me contactaram a perguntar se havia apoio da Fundação Exteril - é uma pura invenção! A Fundação Extéril não existe, o que existe é uma página online!
Organizei, em 2008, um concurso de arte internacional, o “Concurso internacional de arte contemporânea”. Publiquei aquilo em vários sites em português, espanhol e em inglês. Recebi trabalhos de todo o lado. Mas era o cúmulo porque as pessoas pensavam que existia mesmo uma fundação, que existia mesmo um espaço! Quer dizer, estava tudo na internet, estava tudo lá, mas as pessoas estavam convencidas que tinham que enviar as obras! O que é que eu tinha pedido? Uma fotografia em formato digital 15x20, currículo e uma fotografia em papel 15x20, que era para depois fazer aqui [na Galeria] uma exposição de todos os trabalhos. Tive um problema: começaram a mandar as fotografias para a Fundação Extéril. Quando fui aos correios para as levantar, disse-me a funcionária: “Eu não lhe posso dar isto, onde é que está o bilhete de identidade?” eu respondi: “Mas olhe isto é um projeto artístico, isto não existe”; “Então se não existe eu não lhe posso entregar a correspondência”. Lá veio depois o diretor da estação, eu expliquei-lhe tudo: “Olhe a única forma de comprovar isto está na Internet, vamos ali ao computador e eu mostro-lhe, está lá tudo”. E o prémio o que é que era? O prémio era um certificado eletrónico a declarar que a pessoa tinha ganho o primeiro prémio. A Confusão que isto gerou! “Quanto é que ganho?”, “Depois sou obrigado a entregar a minha peça?”. Foi a confusão total, porque foram 72 pessoas premiadas com o primeiro prémio!
O projeto da Extéril, em si mesmo, tem uma componente artística?
Sim, sem dúvida.
Quais são os princípios e os critérios que estruturam o funcionamento da Extéril?
Nenhum. Não tem critério nenhum. Aliás, cada vez mais, ao longo destes anos todos, posso ser con- siderado como um artista totalmente incoerente!
Como estruturas a tua programação?
Ou vou falando com os artistas, ou enviam-me propostas. É difícil fazer entender às pessoas que dentro da Extéril não cabe tudo, não cabem todas as propostas. As pessoas têm legitimidade para fazerem o que querem e o que bem lhes apetece, mas também têm que ter o discernimento suficiente de perceber o tipo de exposições que se fazem aqui há quase 20 anos, e às vezes é difícil fazer passar essa mensagem.
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Mas tens uma linha curatorial?
Sim, sim.
Como funciona a curadoria da exposição?
Eu convido o artista e o artista tem toda a liberdade, eu não imponho rigorosamente nada. Aliás, aqui há 2 anos, eu convidei uma artista de Lisboa que, para minha surpresa me pergunta qual era o vídeo que eu escolheria e eu respondi assim: “Eu escolho? Não, tu é que escolhes!”, ao qual ela responde: “eu não consigo trabalhar assim!”. Até fiquei assim meio baralhado, “Desculpa, não estou a perceber”, e ela: “Não, eu sempre que faço uma exposição com curadoria é o curador que escolhe”. “Mas neste caso eu ponho-te à vontade para escolheres o que tu quiseres, tu escolhes o trabalho que te apetecer”. Ela não participou.
Se há coisa que eu acho [importante] no trabalho de um artista, também porque sou artista, é dar-lhe liberdade suficiente para ele fazer o que bem entender com o trabalho e colocá-lo conforme lhe apetecer e conjugar com os trabalhos que lhe apetecer. A responsabilidade é dele! Claro que o curador tem também esse papel, mas às vezes intervém demasiado. Eu funciono precisamente ao contrário, eu não quero intervir rigorosamente em nada no trabalho dos artistas; ele faz o que entender com o trabalho. Quer expô-lo no chão, expõe-no no chão, quer pô-lo no poço, põe-no no poço!
Qual a exposição mais icónica para a Extéril?
A dos “15 minutos de fama” porque se cria uma dinâmica onde se expõe a diversidade, a partilha do espaço, confrontam-se ideias e projectos dispares.
Qual importância que os espaços independentes têm no panorama atual?
São muito importantes, sem dúvida. Primeiro, por se terem tornado espaços legitimados pelo próprio movimento artístico – quer sejam galerias, curadores, enfim, colecionadores – proporcionou o aparecimento de cada vez mais espaços e como há tantos artistas a produzir, tanta gente que quer mostrar trabalho.
Se não fossem os espaços alternativos, muitos destes artistas não tinham sequer hipótese de expor. As pessoas às vezes dizem que os artistas vivem fechados no seu casulo e, às vezes, esse lado comercial que se exige a um artista não lhe é fácil. Os espaços alternativos são ótimos por isso, porque deixam as pessoas muito mais à vontade, sabem que são artistas que os estão a gerir [e que por isso] os compreendem muito melhor – porque, na verdade, muitos galeristas não percebem nada de arte. São pessoas simpáticas, mas eu acho que são personagens que, se calhar, se dispensavam. Eu penso que os galeristas, na grande maioria, não respeitam os artistas: não lhes pagam, ou pagam tardiamente. Conheço galeristas que ficam a dever aos artistas e vão de férias. Eu nunca consegui perceber isto. Por isso os espaços alternativos são ótimos nesse sentido, o artista até pode não vender, mas pelo menos fez a sua exposição e tem a liberdade de fazer o que lhe apetece sem ter esse compromisso com o galerista. |
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"Todo o projecto da Extéril é uma ironia ao próprio sistema das artes."
João Ricardo Moreira
No final de 1999, apesar de as oportunidades de exposição para os artistas se limitarem, praticamente, ao circuito comercial das galerias de arte, a cidade do Porto preparava-se para ser a Capital Europeia da Cultura em 2001. Desenvolvia-se a linha de metro, sucediam-se as obras para ultimar ou reparar os equipamentos culturais da cidade. Às construções em curso, acrescentou-se a de um cubo de 2x2x2 numa antiga fábrica desativada (Fig. 1). No seio do estaleiro que era o Porto à época, emergia a Galeria Extéril, um espaço independente que, não tendo sido o primeiro a surgir na cidade, é o que há mais tempo se mantém activo, e de todos, activos ou não, o que apresenta as características mais singulares. Simultaneamente, a Extéril é um espaço expositivo independente, um projecto artístico de Teixeira Barbosa e um agente provocador no meio artístico do Porto.
Não foi como estrutura física que a Extéril foi inicialmente pensada. Na sequência do aparecimento dos primeiros ISP 's no país, em 1998, Teixeira Barbosa tinha idealizado e iniciado um projecto online, à época inédito em Portugal. A internet permitia um projecto financeiramente sustentável, idealmente acessível a toda a gente em simultâneo e possibilitando “... [a construção de uma] comunidade artística, [a divulgação de] informação, ser um espaço de investigação, crítica e de encontro.”. Só mais tarde, como nos conta Teixeira Barbosa, a partir de um convite de um amigo espanhol para se fazer uma feira e um circuito de galerias independentes, surgiu o espaço físico da Extéril – o tal cubo de 2x2x2 feito com madeiras recicladas construído numa antiga fábrica. Deu-se aí, a 18 de Dezembro de 1999, a inauguração da Galeria Extéril, não tendo, nunca quebrado o ritmo expositivo bimensal. Actualmente, e desde 2005, a Extéril encontra-se no atelier da casa de Teixeira Barbosa, na Rua de Bonjardim, nº 1176. A morada online deu lugar, entretanto, a um arquivo e a um mural de divulgação daquilo que vai tendo lugar no cubo.
Há uma máxima que Teixeira Barbosa refere amiúde, seja em entrevistas, seja no manifesto, ou no texto de apresentação do projeto: “Produzir o máximo com o mínimo”. Esta máxima assumiu, no desenvolvimento do projeto da Extéril, tanto de programa ideológico, como de estratégia de sobrevivência a um regime financeiro muito restrito. A Extéril é pensada para funcionar, idealmente, a custo zero. |
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Tanto o projecto virtual inicial, quanto o desenvolvimento e funcionamento do “cubo-galeria”, são reflexo e exemplo da activação prática da máxima acima enunciada e enquadram-se num entendimento crítico de um “sistema das artes” onde os recursos para a circulação e exposição das obras de artes estão submetidos ao domínio do comércio, e dependentes de condicionamentos financeiros a que, na generalidade, os artistas não conseguem fazer frente. Esta situação torna-os dependentes dos intermediários e detentores desses recursos: as instituições e as galerias. Perante um sistema desta índole, a particularidade da resposta que Teixeira Barbosa propõe às dificuldades que aquele coloca ao artista, é a do uso criativo dos meios gratuitos que podem estar ao seu dispor. O projecto da Extéril incentiva todos os intervenientes no sistema das artes a agir por conta própria, lembrando-os de que o mundo da arte não tem necessariamente que existir de acordo com o modelo vigente e propondo-lhes – sob o exemplo do site e do cubo – uma forma de ação artística a partir do que é possível e do que é sustentável com o mínimo de recursos. A disponibilização do esquema detalhado do cubo está disponível na página da Extéril(1) (Fig.2), permitindo que a estrutura possa ser replicada por qualquer pessoa que o queira fazer. Desse modo, o cubo da Extéril ganha uma dimensão política, no sentido em que esta estrutura abre um horizonte de democratização e de transformação para o panorama artístico e todos os seus intervenientes. A Extéril oferece um vislumbre de um mundo das artes utópico onde os meios para o desenvolvimento do trabalho artístico estão ao alcance de qualquer pessoa e onde a arte se desembaraça da “aura de espetáculo bizarro”, quase circence, aproximando-se da vida comum.
A estrutura que resulta desta "ética" difere de todos os outros espaços independentes, por um lado, pela sua capacidade de mobilidade e, por outro, pelo seu carácter escultórico. Ao contrário de todos os espaços independentes da cidade que funcionam - ou funcionaram - em estruturas (armazéns, apartamentos, cafés, lojas, etc.) desactivadas, ou não, mas sempre fixas, imóveis, a Galeria Extéril é uma estrutura móvel, que pode ocupar ou ser instalada nos mais diversos contextos. Ao longo da história da Extéril, foram vários os momentos de itinerância: a convite dos Maus Hábitos na New Art Barcelona 2002 num quarto do Hotel Barceló Sants (Fig. 3); em 2003, novamente a convite dos Maus Hábitos, na Casa das Artes, no Porto, numa retrospectiva dedicada à actividade da Galeria Extéril (Fig. 4); na Bienal da Maia em 2005, na exposição “Lugares de viagem” comissariada por José Maia; ou até na Praça de Gomes Teixeira, vulgar- mente conhecida por Praça dos Leões, no âmbito da performance “Playing Artists”, em 2008.
É o próprio Teixeira Barbosa que assume o seu projecto como artístico quando, ao descrevê-lo, afirma: “Hoje em dia o projecto Extéril é assumido como uma obra / galeria em constante transformação. As exposições são obras dentro de uma obra.”(2). É ainda Teixeira Barbosa que, no mesmo texto, inscreve o seu projecto na tradição daquilo a que chama “arte portátil” e que caracteriza como “... a ferramenta mais idónea para esta situação que vai emergindo cada vez mais em que o criador começa a desempenhar o papel de teórico e gestor”(3). O exemplos de “arte portátil” que nos são dados na página da Extéril são a Boite-en-Valise (Fig. 5) de Marcel Duchamp, ou o Musée d'Art Moderne. |
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(1). http://www.exteril.com/exteril-fotos/1.html
(2). e (3). http://www.exteril.com/projecto/1.html |
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Département des Aigles (Fig. 6) de Marcel Broodthaers, entre outros (4).
Se a Extéril é uma obra de arte, a nosso ver, é-o à maneira das obras que se enquadram na Arte Conceptual, no sentido em que não se trata de um objecto artístico comercializável, isto é, único (5) e inútil à semelhança das obras de arte tradicionais. A “galeria” Extéril é um simulacro literal e irónico dos espaços expositivos por excelência, ancorados no modelo que o Museum of Modern Art (MOMA) desenvolveu: uma forma asséptica, supostamente neutral e isolada da realidade exterior a que Brian O'Doherty chamou White Cube (6).
Quando ocupa um dado espaço expositivo, a “galeria” evidencia o seu carácter de objecto escultórico, mantendo activa simultaneamente a sua função expositiva. Enquanto escultura, a Extéril é um cubo cujo interior é branco. Quando o cubo está num espaço expositivo, ao mesmo tempo que expõe as obras no seu interior, é exposto na exposição que o acolhe e o que ele expõe – como escultura – é o próprio white cube onde está instalado. Portanto, numa galeria, o cubo desencadeia uma operação que permite que o público se desvincule da sua função expositiva e tome o próprio espaço expositivo como objecto de con- sideração autónomo. Tomado por si, o cubo potencia uma reflexão crítica acerca das instituições expositivas (os museus e as galerias), dos seus recursos, dos limi- tes que impõem às obras, da forma como afectam as obras que expõem.
Quando o cubo regressa ao atelier de Teixeira Barbosa, ou quando ocupava a fábrica, a sua vocação crítica não deixa de se manifestar na ironia desencadeada pela sua brancura interior em contraste com a rudeza do espaço em redor, bem como na limitação espacial que impõe aos artistas que ali queiram expor. Esta faceta da Extéril permite inscrevê-la no seio da corrente artística conhecida como “Crítica Institucional”. Em 2008, em linha com o que se acaba de dizer, a Extéril organizou o “Grande Prémio de Arte Contemporânea”, uma paródia dos prémios artísticos cujo prémio efectivo se resumia a um certificado electrónico enviado a todos os “candidatos”. Para a realização deste evento, Teixeira Barbosa criou a Fundação Extéril (7), entidade fictícia responsável pela organização. As peripécias anedóticas que foram motivadas por esta iniciativa são descritas pelo próprio Teixeira Barbosa em entrevista, e o seu carácter crítico e irónico é evidente. Por último, e ainda enquadrada no cunho artístico-crítico do projeto, merece destaque a iniciativa bianual “15 minutos de fama”. Este evento foi criado em 2005, quando a Extéril se mudou para a morada actual, e acontece de dois em dois anos. Consiste numa maratona de exposições em sequência que duram 15 minutos cada. A rápida cadência com que as exposições se sucedem neste evento, convida a reflectir – ao mesmo tempo que a mina com humor – na glória efémera com que o mundo contemporâneo da arte abençoa os seus artistas.
18 anos passaram desde a inauguração da Galeria Extéril, muito tempo para um espaço independente, entidades que normalmente têm uma vida muito mais evanescente. A dinâmica cultural da cidade tornou-se, nos anos mais recentes, frenética. Mas Teixeira Barbosa mantém o motor da Extéril a trabalhar, ronronando, num ritmo certinho e afinado o que nos faz crer que, passem as modas que passarem, a Extéril continuará a sua viagem. |
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(4). http://www.exteril.com/projecto/arte_portatil.html
(5). Como vimos acima, a disponibilização do esquema da “galeria” convida à replicação da estrutura.
(6). White Cube é uma noção crítica cunhada por Brian O'Doherty numa série de 3 artigos publicados pela Artforum e posteriormente compilados no livro Inside the white cube: the ideology of the gallery space (1976), que visa designar e pensar o espaço expositivo por excelência da modernidade e a relação deste com o objeto artístico.
(7). http://www.exteril.com/fundacao-exteril/1.html |
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