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• Duas questões. Ética e Política do Desenho.
O campo da teoria do desenho será aquele assinala a natureza e a pluralidade dos processos pelos quais se nomeia e se formula a experiência e a reflexão do desenho?
Para o desenhador é sempre chegada a hora de perguntar: Porquê, para quê o desenho? O que é o desenho e o que significa desenhar? Estas são questões que se colocam quando a contigência da prática se esgota e o não-fazer do desenhador passa a analisar as condições do realizado, o tempo para pensar, o tempo da reflexão ética e política das acções que dão forma e sentido ao desenho. É possível que este momento corresponda muitas vezes a uma crise de trabalho, a uma ruptura definitiva ou ainda e de um modo pragmático constituia um hábito, uma razão que se contrai, um modo negociado, pacificado, uma sistematização dedutiva da prática ou mesmo um seu fundamento e conquista.
Para o desenho que se afirma pelo auto-posicionamento do criado, o qual se conserva em si mesmo, ele é a coisa que desde o início existe da per se, como bloco de sensações e de ideias, como composição e organização perceptiva e afectiva, como universo inteiramente infindável e disponível.
Pensar o desenho, o nome desenho é antes de mais construí-lo e criá-lo na prática através da experiência real pelo qual ele se realiza e se contempla. De facto as relações problemáticas entre a prática e a teoria revelam-se como aspectos de uma mesma e idêntica actividade, cuja intenção, destino e produção é inseparável de um devir, sempre inacabado e constantemente retomado.
Deste modo a teoria do desenho não se pode ordenar aprioristicamente como forma de uma pura subjectividade, nem por faculdades capazes de o generalizar ou usar como uma abstracção ou uma mera resolução técnica.
O encontro com a teoria do desenho participa de uma reflexão que vem assegurar a própria forma e expressão de um exercício de estilo que se constrói. A figura de estilo corresponde exactamente a uma linha de pensamento, a uma linha selectiva, mas diferente e impura que não exclui a multiplicidade das operações do desenho, nem a diversidade dos seus usos e fins.
Mas para pensar o desenho não basta apenas esta disponibilidade ou conveniência encontrada na prática, é também necessário e essencial compreender o campo e os limites que as figuras da História, as técnicas, os materiais e os sistemas relacionam e compõem como um todo formalizável da experiência e da memória do desenho.
Ter acesso à História do desenho consiste em experimentar como hermeneuta as suas personagens e protagonistas, toda uma vastíssima heteronomia do desenhador, onde cada nome não é mais do que o simples pseudónimo das personagens. De um modo decisivo uma linha de investigação pressupõe esta experiência e interpretação entre as personagens do desenho e a realidade do desenho que não pára de se transformar, permitindo reinterpretar as antigas práticas e os velhos conceitos como factos interessantes de uma recriada pedagogia que só as condições do nosso próprio trabalho conseguem enunciar e compor.
Esta linha de investigação é um projecto singular que cada um define, pertencendo-lhe por inteiro, representando uma identificação reflexiva onde assenta a relação entre o saber e o não-saber. Só a abertura, a disponibilidade para pensar o que não se sabe do desenho permite dar continuidade a uma correcta experimentação daquilo que é o desenho e daquilo que significa desenhar, estimulando simultaneamente a descoberta da prática e a hipótese da teoria.
Uma política de estudos sobre o desenho só se compreenderá na estreita relação entre os factos e os acontecimentos que a linha de investigação souber construir. O optimismo de uma participação de todos deverá revelar em primeiro lugar o envolvimento com a pedagogia do nome desenho. A pertinência de uma Instância para a reflexão e o estudo do desenho na Faculdade de Arquitectura serviria no contexto ainda disciplinar, para apoiar e estimular um suporte de crítica aberto aos estudantes e à comparticipação alargada, onde necessariamente o intercâmbio, os colóquios e os seminários constituiriam um propósito significativo.
A hipótese de poder reunir estudos sobre o tema do desenho, da cor ou das imagens seria naturalmente objecto de publicação, lugar comum da investigação e da comunicação académica. A determinação da aplicação prática dos estudos do desenho não deve no entanto concluir-se como forma enciclopédica ou como Sebenta, nem cair no inevitável destino da pura objectivação de produtos. A participação activa de uma corrente de investigação deve estar avisada do excesso e do extremismo que estas duas atitudes representam. Só uma linha moderada que não exclui a evidência destas duas faces da mesma moeda, será capaz de ultrapassar esta tendência e este perigo por onde muitas vezes o pensamento se aliena.
A força e a verdade de uma política de investigação deverá ser a expressão original desta mínima pretensão: «negação optimista» e problema de consciência, mas também, efectiva e afectivamente problema de crítica e de humor, de ética, que luta e resiste contra a tentação do senso comum, contra a opinião generalizada da eficácia e da reproductibilidade, a qual forma o consenso e o consumo.
VITOR SILVA
Texto escrito em 13 de Abril de 1994 na intenção de criar uma instância de investigação sobre o desenho na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. |